Evolução do mosquito Aedes aegypti facilitou agravamento da transmissão. (Foto: Diário do Nordeste) |
Mal voltou de viagem a Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, sua terra natal, Ilza caiu de cama. Febre, dores no corpo, cefaleia. Era 1986, e os médicos do Hospital São José, para onde foi levada, logo perceberam a semelhança entre seus sintomas e os da infecção que já se convertera em surto na cidade fluminense, deixando autoridades de todo o País em estado de alerta. A hipótese e o receio dos especialistas se confirmaram nos dias seguintes. Ilza Nascimento dos Santos, moradora da Barra do Ceará, na Capital, era o primeiro caso confirmado de dengue no Ceará.
Ainda desconhecida na época para grande maioria da população, de pesquisadores e do poder público, a doença viria a se tornar um dos maiores problemas de saúde pública do Estado. Nos 30 anos que se passaram desde o primeiro registro até os dias atuais, a dengue não só persistiu, como se disseminou e se agravou. De 1986 para cá, o Ceará já registrou pelo menos meio milhão de ocorrências (558.827) e 500 mortes, vivenciou sete epidemias (sendo a mais recente em 2015), e identificou quatro dos cinco vírus causadores da infecção existentes no mundo em circulação.
A dengue se transformou em doença endêmica, manifestando-se anualmente, de janeiro a dezembro, sem trégua. A crítica situação de transmissão na qual o Ceará se encontra hoje foi construída ao longo dessas três décadas, resultado de uma série quase inumerável de fatores, da histórica insuficiência de ações de prevenção e controle à falta de consciência da população sobre a seriedade da virose. A isso pode se somar a evolução do mosquito Aedes aegypti, cujo poder de ameaça surpreende constantemente ciência e governo.
Combate dificultado
Estes serão os temas tratados, a partir de hoje, na série de reportagens especiais do Diário do Nordeste sobre os 30 anos da dengue no Ceará, completos neste ano. Em cinco matérias, iremos discutir o fortalecimento do vetor, que se adaptou ao ambiente e ao clima cearense e já é responsável pela proliferação de outras duas enfermidades, chikungunya e zica; a incapacidade do poder público de combater o problema, com estratégias desarticuladas e descontinuadas; a resistência dos moradores em adotar medidas simples contra o mosquito em suas próprias casas; e, por fim, a criação, a passos lentos, de imunizações contra a doença.
Não é difícil entender como a virose se tornou uma das infecções mais predominantes no Estado. De início, a dengue foi subestimada. Por inexperiência dos governos que lidaram com a primeira crise, o problema tomou dimensões bem maiores do que se imaginava. "No primeiro ano de dengue, a epidemia foi explosiva. A população estava susceptível e rapidamente houve difusão da doença", lembra o médico sanitarista Manoel Fonseca, secretário de Saúde de Fortaleza em 1986.
Erros históricos
"A estratégia foi combater o mosquito como podíamos", afirma ele, citando o início das rotinas de visita casa a casa, do uso de bombas costais e da preocupação com a limpeza urbana. "Mas acho que houve erros históricos em todo o País, principalmente do ponto de vista de criar estratégias diferenciadas de educação para saúde, de investir em saneamento básico e em iniciar pesquisas para controle por meio da vacina", acrescenta Fonseca.
Para Robério Leite, infectologista do Hospital São José, pelo impacto que possui sobre a mortalidade no Estado e pela sobrecarga que acarreta ao sistema de atenção, a dengue é um das principais desafios para a Saúde.
"Tanto o número de óbitos quanto os custos para o sistema de saúde criaram, com certeza, um grande problema. Não havia percepção que ia atingir todo o território com a velocidade que aconteceu. Se houvesse, talvez tivesse ocorrido uma ação mais intensa para evitar essa proliferação", ressalta.
Fonte: Diário do Nordeste
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