“Fui pra maternidade sob escolta e sem nenhum familiar. A gente chega algemada e as outras mães nos olham como se a gente não estivesse ali para parir também. Foi o momento mais solitário da minha vida. E voltar para cá depois de parir, com meu filho nos braços, colocando ele dentro de uma cadeia também, é pior do que o momento da prisão”. Assim, aos 22 anos, a ex-universitária e agora detenta descreve como foi viver os últimos sete meses — seis ainda gestante — encarcerada. Além do filho que lhe esticou o ventre já no cárcere, ela ainda pranteia a vida apartada do primeiro rebento, de três anos, cuidado hoje pelo pai. Puérpera e também mãe de criança com menos de 12 anos, ela deverá ser beneficiada pelo habeas corpus coletivo julgado procedente ontem pelo Superior Tribunal Federal (STF). Por quatro votos a um, a 2ª Turma do STF concedeu que tenham prisão preventiva substituída por prisão domiciliar mulheres que estejam grávidas, amamentando ou tenham filhos com até 12 anos ou com deficiência. A decisão deve ser implementada em todo o País em até 60 dias. Como a ex-universitária, se estima que outras 439 mulheres vivam situação similar no Ceará — 22 delas grávidas. Durante plenária, o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, autor da ação, apontou que há aproximadamente 600 mulheres amamentando no cárcere e 1.800 crianças convivendo no sistema penitenciário. A decisão, no entanto, exclui do benefício mulheres cujos crimes tenham uso de violência ou grave ameaça, ou que tenham sido contra seus descendentes. “Por isso, não vai alcançar o número total dessas mulheres, mas é extremamente positivo, porque a maior parte do encarceramento feminino é por tráfico de drogas”, explica Gina Moura, defensora pública do Ceará responsável pelos atendimentos no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Mo ura Costa (IPF), o único presídio para mulheres no Estado. Para Edmar Santos, coordenador especial do Sistema Prisional do Ceará, o parecer deve ajudar a diminuir a superlotação no IPF. “Temos a crença que a família tem de ter sua manutenção objetivada pelo Estado, independente de ser a mãe uma pessoa processada criminalmente. Não enxergamos a prisão como solução para a segurança pública”. PRISÃO DOMICILIAR PARA MÃES COMO FOI A VOTAÇÃO RELATOR, o ministro Ricardo Lewandowski citou dados que mostram que somente 34% das prisões têm celas para gestantes, 30% possuem berçários e apenas 5% têm creche. “Seguramente, mais de 2 mil pequenos brasileirinhos estão atrás das grades com suas mães, sofrendo indevidamente contra o que dispõe a Constituição”, detalhou em relatório. ENTENDIMENTO do relator foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O ministro Edson Fachin foi o único a votar contra, por entender que a prisão domiciliar para lactantes deve ser analisada caso a caso. APESAR de estar previsto no Código de Processo Penal, a Justiça entende que a concessão dos benefícios às gestantes não é automática e se o juiz entender que a prisão domiciliar é inadequada, poderá substituí-la por medidas cautelares previstas.
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